Em 1990, por iniciativa do bispo D. Manuel Madureira Dias, que hoje dá nome ao Complexo Social edificado, nascia em Cachopo, aldeia da serra algarvia do concelho de Tavira, o Centro Paroquial para cuja implementação convidou o casal Albino e Cláudia Martins. O casal de Vila Real de Santo António abraçou o projeto e há um quarto de século que faz crescer a única instituição de apoio social aos mais idosos.
“Viemos de Vila Real de Santo António para Cachopo, dispondo-nos a remar contra a corrente, empreendendo um movimento (litoral-serra) inverso ao que na altura começava a acentuar-se (serra-litoral) e que tem vindo a contribuir para a desertificação do interior algarvio”, conta o diácono Albino Martins, que ali constituiu família e desenvolveu a sua atividade pastoral e, essencialmente, social: “Envolvemos a população, sobretudo na urgente resposta social, tendo presente o elevado envelhecimento da população e o seu crescente isolamento”.
No entanto, a tarefa que tomou em mãos não se mostrou fácil no arranque e tem sido um constante desafio.
“As condições iniciais existentes nesta terra do interior algarvio eram pouco favoráveis ao desenvolvimento de um projeto de grande vulto. O início aconteceu num armazém, adaptado a Centro de Dia, com espaços muito reduzidos e completamente despido de tudo. Foi difícil o começo”, afirma o presidente da instituição, acrescentando: “Por outro lado, os potenciais utentes tinham relutância em frequentar o Centro de Dia e começaram por ser uns quatro ou cinco que mostravam vontade de viver num lar, mas não apreciavam muito aquele tipo de apoio só para o dia. Era esta a semente! A nós, não faltou dedicação, espírito de sacrifício e generosidade. E a semente germinou!”.
Sílvia Leandro, diretora-técnica da instituição, corrobora esta ideia de dificuldade, mas igualmente a de conquista da instituição, ao crescer e ao alargar as respostas sociais à população: “Foi com o grande esforço do casal Albino e Cláudia que esta instituição nasceu. Era uma coisa muito pequenina e com muito poucos utentes. Depois veio o SAD e nasceu o sonho de fazer uma casa maior, porque os utentes já eram muitos e as condições não eram as melhores. A ideia era continuar com as mesmas respostas mas fazer também um lar”.
Para esta técnica, a visão do casal Martins foi determinante na qualidade e diversidade de serviços que o Centro Paroquial de Cachopo presta hoje à população: “Aqui na serra a noite é, de facto, assustadora para as pessoas de mais idade. A freguesia é a aldeia e mais 42 montes dispersos pela serra e que está envelhecida e desertificada. O Albino e a Cláudia perceberam que era importante um lar para as pessoas que estavam realmente sozinhas e criar uma casa onde estivessem juntos, acompanhados e tivessem uma melhor qualidade de vida”.
O Complexo Social da instituição alberga, atualmente, quatro respostas sociais, apoiando perto de uma centena de utentes. Em Lar acolhe 30 idosos, em Centro de Dia são 15 e o SAD chega a 50 utentes. Para além destas respostas que funcionam no equipamento da aldeia, a instituição ainda gere, num monte, o Centro de Convívio de Feiteira, frequentado por duas dezenas de utentes.
E se hoje o equipamento de Cachopo é um espaço com todas as condições para albergar quem dele precisa, a sua edificação foi muito difícil e demorada.
“Esta casa foi inaugurada em 2009, mas demorou 11 anos a construir, porque entretanto o empreiteiro abriu falência. Foi muito complicado”, recorda Sílvia Leandro.
“Humanamente falando, os começos da obra que hoje se vê em Cachopo eram mais para cair no desânimo do que para sorrir”, sustenta Albino Martins, que não deixa de lembrar quem foi fundamental para que a obra nascesse: “Superou-se as dificuldades, graças à mão de Deus e ao contributo do Estado Português, do Município de Tavira, da Junta de Freguesia e da população residente ou daqui natural”.
Num território muito envelhecido e progressivamente desertificado, em que a orografia também não ajuda, a instituição abrange uma região com cerca de 700 habitantes, em que “80% tem mais de 65 anos, não é enriquecida, vive das baixas pensões e continua a trabalhar muito na terra, mesmo com muita idade”, refere Sílvia Leandro, que reafirma a relutância que ainda hoje a população tem em aderir à instituição: “As pessoas aqui ainda continuam com a ideia de não querer vir para a instituição e, nesse aspeto, o Centro de Dia é a resposta mais complicada. As pessoas ou querem ficar em casa e precisam de ajuda e, então, solicitam o apoio do SAD, ou para virem é para o lar, mas porque já não podem mais. Aqui na serra as pessoas são muito ligadas à casa e ao lugar onde moram. As pessoas têm muita pena de ver os montes onde nasceram ficarem sem gente e, então, acham que têm a responsabilidade de não sair de lá para o monte ainda continuar com alguém”.
A técnica social identifica a questão da mentalidade das gentes da serra como o principal obstáculo à sua institucionalização: “Vir para o lar é, para estas pessoas, uma vergonha. É como ir para o asilo, como se dizia antigamente. A mentalidade é esta e conseguir desmontar esta ideia é muito difícil. E, depois, só vêm quando já não podem mesmo nada”.
Numa freguesia em que quase não há crianças e as pessoas em idade ativa migraram para o litoral, os mais velhos tendem a ficar sozinhos e, na maioria dos casos, sem retaguarda familiar presente, como constata Sílvia Leandro: “Os mais novos foram todos embora, pelo que estas pessoas não têm retaguarda familiar. Gente em idade ativa em Cachopo é muito pouca. Há quem tenha familiares que são muito preocupados e que são presentes, mas muitos utentes não têm qualquer retaguarda familiar. As pessoas não querem subir a serra, dizem que é muito longe… Isto acontece com as pessoas do lar e com as da comunidade. Nós estamos aqui para ajudar e atenuar as dificuldades, mas nunca substituímos a família. A maior tristeza que sinto neste trabalho é essa ausência dos familiares”.
Para Sílvia Leandro, “combater a interioridade é difícil, mas das maiores dificuldades é a falta de colaboração mais próxima das famílias”.
Num contexto tão adverso, em que os rendimentos da população são muito baixos, em que as famílias também não têm grande disponibilidade financeira e o tecido empresarial é, pura e simplesmente, inexistente as dificuldades financeiras são uma constante na vida da instituição.
“Vivemos com muitas dificuldades, porque esta é uma casa muito grande e com uma despesa diária brutal”, começa por dizer a diretora-técnica, identificando o custo por utente como o principal óbice: “As mensalidades de Centro de Dia e do SAD são muito baixas e nenhuma chega aos 150 euros. As instituições da serra têm um custo no SAD muito mais elevado do que as da cidade. Nósfazemos 500 quilómetros por dia, gastamos 1.500 euros/mês em gasóleo, para além do desgaste das viaturas em virtude do terreno. A despesa é muito grande e o custo por utente é muito maior do que na cidade, onde se faz três ou quatro utentes num raio de cinco quilómetros e aqui, por exemplo, fazemos 25 quilómetros para chegar a um único utente que vive num monte. O valor que o utente paga cobre muito pouco ou quase nada da despesa”.
Para esta responsável, a subsídio dependência da instituição é uma inevitabilidade: “Somos subsídio dependentes da Segurança Social e do que os utentes pagam, porque não temos outras fontes de receita. Aqui à volta não temos outras oportunidades como no litoral. Temos alguns apoios pontuais, mas também não temos empresas por aqui… O maior empregador da freguesia é a instituição, depois a Junta de Freguesia, há ainda três cafés e dois minimercados, que funcionam com os próprios donos, e há uma pequena empresa de produtos agrícolas”.
No entanto, e apesar de não serem presentes, os familiares são cumpridores financeiramente, o que, pelo menos, não cria mais problemas à instituição. Contudo, as comparticipações da família, à semelhança da dos utentes, são pequenas.
“As pessoas têm a responsabilidade de pagar… por transferência bancária, porque aqui não vêm. A maior parte dos utentes tem pensões sociais. Até agora, no capítulo da comparticipação familiar, nunca tivemos problemas”.
As questões financeiras são, para Albino Martins, “a maior dificuldade” na vida da instituição, agravado pela “exiguidade da valência ERPI [Estrutura Residencial Para Idosos]”.
Sílvia Leandro explica que o rácio utente/colaborador encarece o serviço e levanta grandes problemas na gestão da instituição: “Na altura em que o lar foi aprovado, não o faziam para mais do que 30 utentes, porque o objetivo era que os equipamentos tivessem de alguma forma um ambiente familiar. Percebo isso e, como técnica social, acho interessante, mas em termos financeiros a ideia já não é tão interessante, porque o quadro de pessoal que nos é exigido para 30 utentes é o mesmo que seria para um lar com capacidade entre 36 e 38 camas. E isto faz toda diferença. O nosso quadro de pessoal, que tem 41 trabalhadores, é muito pesado, porque 75% dos nossos utentes são dependentes, o que exige cuidados diferentes do que se as pessoas fossem mais autónomas. O que vamos buscar ao utente e à família é muito pouco e a comparticipação da Segurança Social, que não é atualizada há muito tempo, está completamente longe daquilo que é o custo do utente. Por isso, em termos financeiros, andamos sempre muito apertados”.
Albino Martins é mais contundente nesta questão: “Há anos que «grito bem alto» que 30 camas torna uma instituição inviável financeiramente. Falta-nos um projeto para alargamento do equipamento, em que 45 camas seria o ideal. E este é o nosso maior drama, até porque temos cerca de uma centena de utentes em lista de espera”.
Em Cachopo há ainda uma Cáritas Paroquial, que, como refere Sílvia Leandro, “é um braço do Centro Paroquial e da paróquia”, e que nasceu para dar apoio pontual, em termos de alimentação e vestuário, a algumas pessoas com carências e que ainda não são seniores”.
Incrustada no alto da serra do Caldeirão, quase sem gente jovem e praticamente sem atividade económica, como seria Cachopo sem o Centro Paroquial? A resposta, a Sílvia Leandro, sai de pronto: “Acho que metade das pessoas não conseguiria viver no Cachopo. Se não existíssemos, as pessoas que ainda estão nos montes não poderiam lá estar. Acho que esta terra não conseguiria existir sem o Centro Paroquial”.
Por seu turno, o diácono Albino Martins, que, juntamente com a esposa, foi condecorado, em 2015, pela Presidência da República como Oficial da Ordem de Mérito, é mais abrangente na resposta, colocando o dedo em algumas feridas: “Cachopo assiste há largos anos ao êxodo da sua população jovem. Cachopo e tantas aldeias do Portugal rural, despovoa-se, enquanto a vontade política demora em dar sinais de inverter o rumo, planeando de forma sustentada a descentralização, económica e social, tomando medidas que levem à fixação efetiva dos que aqui vivem e ainda sonham. É minha firme convicção que o Centro Paroquial de Cachopo pode continuar, apesar de algum desânimo, a colaborar no sentido de se criarem condições de inversão de rumo. Tem sido esta a luta e a matriz do contributo dado pelo Centro Paroquial. Cachopo seria diferente sem ele. Se, pelo contrário, nos deixarmos dominar pela ideia de que a desertificação é inevitável, então perderemos o gosto e a alegria de aqui viver, adiaremos as medidas de curto e médio prazo que se impõem, correndo todos nós o risco de nos vermos confrontados com problemas bem mais sérios no futuro”.
E por isso é que Albino Martins não tenciona baixar os braços: “Oxalá consiga daqui a alguns anos afirmar, sem pretensão de comparações com o trabalho apostólico de S. Paulo, e dizer como ele que «combati o bom combate… guardei a fé»”.
Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)